Este momento de quarentena em que nossas vidas e dos nossos filhos tiveram suas rotinas completamente modificadas é necessário considerar as consequências destas mudanças em nosso comportamento que algumas vezes nos fazem ficar tão estressados e sem saber lidar com as situações do dia a dia.

Para fazermos isso colocamos aqui o link da Live feita pelo Ebep (Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos) com o Psicanalista Joel Birman que mostra algumas questões importantes a serem consideradas em razão da quarentena e das emoções geradas pela Pandemia do COVID-19.

Além disso, segue um resumo de parte da Live.

 

Espaço Brasileiros de Estudos Psicanalíticos – Live dia 16/06/2020 às 20:00 horas

Uma Leitura Psicanalítica da Pandemia – Joel Birman

Psicanalista, membro do EBEP-Rio, professor titular da UFRJ e professor aposentado no Instituto de medicina Social da UERJ. Membro de honra do Espace Analytique. Premiado três vezes com o Jabuti, categoria Psicanálise e Psicologia, e recebeu o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, categoria Ensaio Social, da Biblioteca Nacional

Introdução:

Diante do cenário Político Brasileiro em meio à pandemia do COVID-19, o Ebep mantém seu objetivo inicial de quando foi criado há 21 anos atrás pela iniciativa do próprio Joel Birman de nos unirmos horizontalmente para sustentar nossa democracia num projeto mais humano de vida em sociedade.

Joel Birman começa dizendo que a Pandemia precisa ser considerada pela ótica da saúde mental devido ao isolamento físico e distanciamento social e pelos efeitos econômicos, sociais e políticos que impõe às nossas vidas.

Ele acredita que o mundo pós-pandêmico, seja pelos efeitos depressivos ou recessivos, vai tornar as nossas questões no campo da saúde mental ainda mais graves.

Segundo ele, o campo psicanalítico não é o campo da saúde mental mas mesmo o campo psicanalítico nas suas especificidades teóricas e clínicas tangencia o campo da saúde mental e não podemos ignorar isso.

Outra questão que ele considera importante é que a pandemia propriamente dita é eminentemente do campo biológico e faz parte de uma ciência que hoje se chama virologia que acompanha todas as nossas epidemias contemporâneas mas a pandemia não se restringe ao campo exclusivamente biológico, é uma realidade que abrange diferentes registros complexos como o campo das relações sociais, das relações econômicas, das relações políticas e de relações culturais. Engloba uma complexidade analítica muito grande além de ser, ao mesmo tempo, uma questão sanitária.

Quanto às singularidades Psíquicas, especificamente no Brasil existe o que ele chama de “dupla mensagem” que por um lado existe o pedido de quarentena/lockdown para salvar vidas e por outro lado tem-se a mensagem de que deve-se manter a vida normal para não quebrar a economia. Isso gera uma confusão mental, da qual o sujeito não sabe a quem ele obedece, e provoca um efeito de desamparo porque estamos diante de uma doença que a gente desconhece e não temos a cura e isso nos faz sentir vulneráveis. Diante dessa vulnerabilidade existe uma reativação básica da nossa experiência de desalento.

Existe uma diferença entre desamparo e desalento. Quando estamos desamparados a gente chora, a gente teme mas a gente sabe que podemos buscar à instâncias de proteção, seja o estado, seja as instâncias sanitárias, seja os nossos pais quando somos crianças ou amigos. No caso do desalento nós vivemos essa experiência desastrosa de fragilização e vulnerabilidade sem poder ter a possibilidade de encontrar essas proteções. No Brasil, diferentemente dos outros países que e têm uma experiência de desamparo, nós estamos diante de uma experiência radical de desalento face a esse sistema de dupla mensagem a que nós estamos expostos.

Algumas consequências para o plano clínico diante à exposição a esse “mal invisível” são diferentes formas de sofrimento e de dor que nos acometem:

  • Angústia ou Síndrome do Pânico – sensação eminente de morte, coração acelerando, com falta de ar, mãos molhadas, sentir que pode morrer em qualquer momento, razão pela qual muitas pessoas que são tomadas de angústia acham que a falta de ar que estão sentindo na crise de angústia as faz pensar que pegaram coronavírus e correm para os hospitais achando que estão contaminadas e chegando lá diagnosticam que elas estão com uma crise de angústia e elas acabam trazendo para casa uma contaminação que elas pegaram no hospital;
  • Hipocôndríaco – justamente porque estamos isolados, longe dos outros e confinados em nossas próprias casas, e por conta da nossa vulnerabilidade nós passamos a ter uma atenção excessiva aos pequenos sinais dos nossos corpos, isto é, os sinais dos nossos corpos que antes não chamavam a nossa atenção, nós começamos a dar para eles uma importância maior como se aquilo fosse uma evidência que esse mau invisível está nos atacando e passamos a ser acometidos por sintomas hipocondríacos permanentes e repetidos que são males de ordem psicossomática que acompanham essa experiência que nós estamos experimentando;
  • Depressão – o fato de não termos laços sociais com os outros e alguns não tem com ninguém, as pessoas se sentem completamente esvaziadas de si próprias e elas passam a viver experiências depressivas e melancólicas sérias e a gente observa isso muito nos idosos que não podem ver a família, não podem ver os netos, não podem ver os filhos, eles vivem a experiência de se abandonarem de uma maneira depressiva e melancólica e isso vem adquirindo feições às vezes muito graves do ponto de vista propriamente psíquico;
  • Ritual Obsessivo Compulsivo de Limpeza – por conta destas práticas higiênico sanitárias que a comunidade médica nos passou como forma de proteção como: lavem as mãos, mantenham a distância, não toquem nos objetos, se comprar algo no supermercado lavem com álcool, se sair de casa, ao chegar, tire as roupas, tome banho e não toque em nada… essa vigilância sanitária acrescida provocou em muitas pessoas um incremento de rituais obsessivo compulsivo de experiências em torno de limpeza e higiene graves que passam o dia em torno de realizar essas práticas e não conseguem fazer nada da vida pois ficam tão tomadas pela vulnerabilidade delas que vivem em torno destes rituais compulsivamente;

Essas questões geram um aumento das adicções medicamentosas como antidepressivos ou tranquilizantes e das adicções alcoólicas e das drogas ilícitas como a maconha e cocaína para segurar a barra do desalento.

Há também um aumento da taxa de suicídio diante da possibilidade das pessoas se verem no hospital sozinhas expostas a um respirador.

Além disso há um aumento da Violência Doméstica, o machismo foi reativado numa linha muito clara diante do sujeito se sentir desamparado e vulnerável, ele tem a sensação de estar perdendo a sua potência e nada melhor na cabeça de alguns cidadãos para adquirir a potência do que virarem machão e com isso passam a agredir e violentarem as suas mulheres. É uma maneira deles dizerem: “eu não estou desamparado, quem está desamparado é ela! Eu tenho o poder dessa situação”

Tudo isso sem a possibilidade de um trabalho de luto! Estamos expostos à pessoas que morrem e que os caixões ficam fechados onde as pessoas não podem ver a cara do morto como se dá em tempos normais por conta das contaminações possíveis, onde as pessoas são enterradas com o cortejo de uma ou duas pessoas porque não pode ter aglomerações de maneira que nós estamos hoje diante dos mortos sem sepultura, são pessoas que não são enterradas. Nós estamos vivendo diante de uma melancolia por conta desse trabalho de luto que a gente não está podendo fazer e, segundo ele, esta impossibilidade de luto nos fará pagar um preço muito alto no futuro.